Nota informativa n.º 1/2025 - Acesso a cuidados de saúde no estrangeiro: o que precisa de saber
I. Atribuições e competências da Entidade Reguladora da Saúde (ERS)
A ERS é uma entidade pública independente que exerce funções de regulação, de supervisão e de promoção e defesa da concorrência, respeitantes à atividade dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, em matérias relativas ao cumprimento dos requisitos de exercício da atividade e de funcionamento, à garantia dos direitos de acesso aos cuidados de saúde, à prestação de cuidados de saúde de qualidade e dos direitos e interesses legítimos dos utentes, e à legalidade e transparência das relações económicas.
Encontram-se sujeitos à regulação da ERS todos os estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, do setor público, privado, cooperativo e social, independentemente da sua natureza jurídica, conforme dispõe o artigo 4.º, n.º 2, dos seus Estatutos, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto.
Ademais, a ERS exerce as suas funções no território nacional, sem prejuízo das atribuições e competências dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, estabelecidas nos respetivos Estatutos Político-Administrativos, tal como disposto no artigo 4.º, n.º 4 do referido diploma.
II. Acesso a cuidados de saúde no estrangeiro dos beneficiários do Serviço Nacional de Saúde (SNS)
Os beneficiários do SNS podem, nessa qualidade e mediante certas condições, aceder a cuidados de saúde no estrangeiro, o que é, aliás, reconhecido pela Lei de Bases da Saúde (LBS - Lei n.º 95/2019, de 4 de setembro), na Base 21, n.º 3: “A lei regula as condições da referenciação para o estrangeiro e o acesso a cuidados de saúde transfronteiriços dos beneficiários do SNS.”
Assistência médica de grande especialização
Os beneficiários do SNS têm direito a beneficiar da cobertura financeira, quando é impossível garantir o seu tratamento, em Portugal, nas condições exigíveis de segurança e em tempo útil. Podem, assim, receber assistência médica de grande especialização no estrangeiro quando, por falta de meios técnicos ou humanos, a mesma não pode ser prestada em Portugal, regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 177/92, de 13 de agosto. Este diploma explicita, ainda, os requisitos a observar.
Cuidados de saúde em Estados-Membros da União Europeia (UE) ou em países terceiros com os quais a UE possua acordos específicos
Ademais, os utentes podem também beneficiar de regimes específicos no âmbito da União Europeia, que permitem a um cidadão de um Estado-Membro (EM) receber cuidados de saúde num outro EM ou em países terceiros, com os quais a União Europeia possua acordos específicos para esse propósito.
A este respeito, devem distinguir-se duas situações:
- aquela em que o utente se encontra, ocasionalmente ou temporariamente, no território de outro EM e aí necessita, de forma não programada, de receber cuidados médicos - caso em que utiliza o Cartão Europeu de Seguro de Doença (CESD); e
- aquela em que o utente se dirige a um prestador de cuidados de saúde no território de outro EM, de forma programada, e, especificamente, para aí receber cuidados médicos.
Neste último caso, importará ter em consideração a Lei n.º 52/2014, de 25 de agosto, que veio estabelecer as normas de acesso a cuidados de saúde transfronteiriços e promover a cooperação em matéria de cuidados de saúde transfronteiriços, transpondo a Diretiva n.º 2011/24/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2011, e a Diretiva de Execução n.º 2012/52/UE da Comissão, de 20 de dezembro de 2012.
A Lei n.º 52/2014 define, assim, um regime específico para o acesso de utentes do SNS, garantido pelo Estado Português, a determinados cuidados de saúde prestados em estabelecimentos situados nos EM da União Europeia, através do reembolso de despesas efetuadas nesse âmbito, e de um procedimento de autorização prévia para casos específicos.
Para efeitos deste regime, são considerados “Cuidados de saúde transfronteiriços” os cuidados de saúde prestados ou prescritos noutro EM da União Europeia, quando o EM de afiliação é o Estado Português, assim como os cuidados de saúde prestados ou prescritos pelo Estado Português, quando o EM de afiliação seja outro EM.
Importa clarificar, no entanto, que se excluem do âmbito deste regime os cuidados continuados integrados; a dádiva ou colheita de órgãos após a morte, respetiva alocação e acesso aos mesmos para fins terapêuticos ou de transplante, e o Plano Nacional e Regional de Vacinação.
III. Acesso a cuidados de saúde no estrangeiro a título particular
Diferente das situações anteriormente relatadas, em que existe, de facto, uma ligação ao SNS, é o caso das pessoas que se deslocam ao estrangeiro a título totalmente particular, no âmbito da sua liberdade contratual, sem qualquer referenciação, não integrando, por conseguinte, nenhum dos regimes acima expostos.
É importante salientar que, quando um utente se dirige a um prestador de cuidados de saúde localizado em Portugal ou no estrangeiro, e antes de lhe serem prestados os cuidados, deverá ter especial atenção e assegurar-se de que são cumpridos os requisitos de qualidade e segurança, não só ao nível da prestação dos cuidados propriamente dita, mas também dos recursos humanos, do equipamento disponível e das instalações, o que poderá ser esclarecido pelo prestador de cuidados de saúde.
Deverão, assim, ser cumpridos:
- Os requisitos legais, no que respeita à formação académica, habilitação, certificação e formação profissional para o exercício da atividade;
- Os requisitos de qualidade referentes aos equipamentos utilizados na prestação de cuidados de saúde;
- As regras legais de funcionamento dos estabelecimentos, em vigor no país em questão;
- As normas, códigos de conduta e deontológicos, regras de serviço e protocolos de qualidade emitidos pelas entidades competentes no país em questão.
Ainda antes da prestação dos cuidados, os utentes devem estar munidos de todas as informações necessárias para decidir se aceitam ou recusam a prestação de cuidados de saúde.
No que respeita ao acompanhamento e a complicações de que os utentes padeçam, após terem recorrido a cuidados de saúde no estrangeiro (por exemplo, cirurgias), estes, enquanto beneficiários do SNS, terão sempre o direito de acesso a cuidados de saúde no SNS, nos termos gerais, e cumprindo as inerentes regras de acesso. Nos termos da Base 2 da LBS, todas as pessoas têm direito à proteção da saúde, com respeito pelos princípios da igualdade, não-discriminação, confidencialidade e privacidade, e a aceder aos cuidados de saúde adequados à sua situação, com prontidão e no tempo considerado clinicamente aceitável, de forma digna, de acordo com a melhor evidência científica disponível e seguindo as boas práticas de qualidade e segurança em saúde. Deverão, por isso, recorrer ao médico de família, para um acompanhamento da sua situação de saúde ou, caso o utente esteja com um problema de saúde agudo, poderá recorrer às consultas abertas disponibilizadas pelas unidades de cuidados de saúde primários ou aos serviços de urgência hospitalares, dependendo da gravidade da situação clínica. Poderão, ainda, os utentes, naturalmente, recorrer a prestadores de cuidados de saúde do setor privado, a título particular, ou através de subsistemas de saúde/seguradoras, para efeitos de acompanhamento ou de prestação de cuidados de saúde com caráter urgente.
IV. Práticas de publicidade em saúde
No que respeita às práticas publicitárias em saúde, não existe qualquer regulamentação específica de práticas de publicidade de cuidados de saúde (por exemplo, cirurgias) ocorridos no estrangeiro.
Não obstante, o utente assume a qualidade de consumidor na relação estabelecida com o prestador de cuidados de saúde, tendo direito, nessa qualidade, à informação para o consumo, nos termos legais, e estando protegido quanto a práticas publicitárias ocorridas na União Europeia, pela legislação europeia contra práticas comerciais desleais.
Por outro lado, o Decreto-Lei n.º 238/2015, de 14 de outubro, conjugado com o Regulamento da ERS n.º 1058/2016, de 24 de novembro, estabelece o regime jurídico a que devem obedecer as práticas de publicidade em saúde.
Declara o preâmbulo do referido diploma que o regime visa “acautelar os direitos e os interesses legítimos dos utentes relativos à proteção da saúde e à segurança dos atos e serviços, através de normas necessárias, adequadas e proporcionais ao imperativo constitucional de proteção da saúde e dos direitos dos consumidores.”
A acrescer, a alínea b) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 238/2015, de 14 de outubro, define como “prática de publicidade em saúde” qualquer comunicação comercial, a televenda, a telepromoção, o patrocínio, a colocação do produto e a ajuda a produção, bem como a informação, ainda que sob a aparência, designadamente, de informação editorial, técnica ou científica, com o objetivo ou o efeito direto ou indireto de promover junto dos utentes quaisquer atos ou serviços dirigidos à proteção ou manutenção da saúde ou à prevenção e tratamento de doenças, com o objetivo de os comercializar ou alienar.
Já no que respeita ao âmbito subjetivo de aplicação do Decreto-Lei n.º 238/2015, de 14 de outubro, o n.º 1 do artigo 1.º refere-se a “práticas de publicidade em saúde desenvolvidas por quaisquer intervenientes, de natureza pública ou privada”, sendo que a alínea a) do artigo 2.º do referido diploma define como “Intervenientes” “todos aqueles que beneficiam da, ou participam na conceção ou na difusão de uma prática de publicidade em saúde”. Assim, o conceito de “Intervenientes” utilizado pelo legislador não abrange, apenas, as entidades prestadoras de cuidados de saúde sujeitas à regulação da ERS, incluindo ainda todos aqueles que, por qualquer meio, contribuíram para a construção, comunicação e divulgação da publicidade em causa, ou que dela beneficiam.
Considerando esta noção ampla de práticas de publicidade em saúde – que inclui, repete-se, qualquer comunicação comercial, com o objetivo de promover junto dos utentes serviços de saúde – e na medida que as práticas publicitárias sejam difundidas em território nacional, e dirigidas ao público português (sendo, muitas vezes, redigidas em língua portuguesa), as regras constantes do Decreto-Lei n.º 238/2015 devem ser cumpridas por todos os que intervêm nas práticas publicitárias. Deste modo, a informação em saúde prestada na publicidade deve reger-se pelas práticas de publicidade em saúde e a informação nestas contida deve observar os princípios da transparência, fidedignidade e licitude; objetividade; e rigor científico, sendo expressamente proibidas as práticas publicitárias enganosas, nos moldes elencados pelo artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 238/2015, de 14 de outubro.
Por conseguinte, a ERS poderá intervir, ao abrigo das suas atribuições e competências, caso tome conhecimento de que a intermediação para este tipo de prestação de cuidados de saúde no estrangeiro seja realizada ou promovida por prestador de cuidados de saúde sujeito à sua regulação.
A acrescer, caso a ERS tome conhecimento de situações que indiciem uma atuação desconforme com o regime jurídico a que devem obedecer as práticas de publicidade em saúde, nomeadamente, de práticas de publicidade em saúde difundidas em território nacional e/ou por entidades sujeitas à sua regulação, e ao abrigo dos seus poderes de supervisão e/ou sancionatórios, poderá instaurar os competentes processos contraordenacionais, nos termos do n.º 4 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 238/2015.
A ERS dá-lhe em permanência a informação, orientação e apoio de que precisa:
Consulte a área dedicada aos direitos e deveres dos utentes e a publicação sobre “Direitos e Deveres dos Utentes dos Serviços de Saúde”, que visa prestar informação, orientação e apoio aos utentes, mas também aos profissionais de saúde e demais agentes que têm intervenção, direta ou indireta, no sistema de saúde.

