Este site poderá não funcionar corretamente com o Internet Explorer. Saiba mais

Publicidade em Saúde


27/12/2022

Enquadramento jurídico

A publicidade é uma forma de comunicação à qual se recorre no âmbito de uma atividade económica, e que pode ter como objetivos (i) a promoção de bens ou serviços, com vista à respetiva comercialização, ou, ainda, (ii) a divulgação de ideias, princípios, iniciativas ou instituições.

Na atualidade, a publicidade é um elemento fulcral e incontornável dos direitos dos consumidores. Tanto assim é que a Constituição da República Portuguesa (CRP), no artigo 60.º, dedicado precisamente aos direitos dos consumidores, prevê, em termos gerais, que “A publicidade deve ser disciplinada por lei”, e proíbe “todas as formas de publicidade, oculta, indireta ou dolosa”. Há, assim, na Constituição uma remissão para lei ordinária e uma disciplina da publicidade pela negativa.

Em cumprimento da predita disposição constitucional, em 1990, foi aprovado o Código Geral da Publicidade, que ainda hoje se mantém em vigor[1]. Ademais, ao longo dos anos tem sido aprovada legislação especial em matéria de publicidade, aplicável a determinados setores de atividade mais específicos e, muitas vezes, mais exigentes, como sucedeu, em 2015, no setor da saúde.

Sem prejuízo, desde a sua criação, em 2003, a Entidade Reguladora da Saúde (ERS) havia tido já intervenção em inúmeros casos concretos, relacionados com a temática da publicidade em saúde, relativamente aos quais, sempre que considerou necessário, exerceu os respetivos poderes de supervisão. Por conseguinte, a ERS foi firmando a sua doutrina em matéria de publicidade em saúde, ao longo dos anos, até que, em 2014, em virtude da compilação de decisões emitidas em processos administrativos que correram termos na Reguladora, e com o objetivo de ter uma atuação mais transversal e preventiva sobre o assunto, o Conselho de Administração da ERS aprovou uma recomendação de caráter genérico (Recomendação n.º 1/2014[2]), que continha diretrizes dirigidas às práticas publicitárias desenvolvidas pelos prestadores de cuidados de saúde.

Foi neste contexto, e com o claro propósito de zelar pelo direito dos utentes à informação verdadeira, completa e transparente, fundamental para o exercício da liberdade de escolha e para a concessão de consentimento informado sobre os cuidados de saúde a receber, que foi aprovado, em 2015, pelo XIX Governo Constitucional, o Regime Jurídico das Práticas de Publicidade em Saúde (RJPPS), através do Decreto-Lei n.º 238/2015, de 14 de outubro[3]. O referido regime entrou em vigor no dia 1 de novembro de 2015 (cfr. artigo 12.º).

O RJPPS regula a publicidade desenvolvida por quaisquer intervenientes, de natureza pública ou privada, sobre intervenções dirigidas (i) à proteção ou manutenção da saúde ou (ii) à prevenção e tratamento de doenças, incluindo a oferta de diagnósticos e quaisquer tratamentos ou terapias, independentemente da forma ou meios que se proponham utilizar (cfr. artigo 1.º).

No que concerne ao âmbito objetivo de aplicação, estão excluídas do radar do RJPPS algumas matérias reguladas noutros diplomais especiais, nomeadamente, a publicidade a medicamentos e dispositivos médicos (cfr. Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto, e Decreto-Lei n.º 145/2009, de 17 de junho), a publicidade institucional do Estado (cfr. Lei n.º 95/2015, de 17 de agosto) e a publicidade a suplementos alimentares (cfr. Decreto-Lei n.º 136/2003, de 28 de junho).

Por sua vez, o âmbito subjetivo de aplicação do RJPPS é alargado, na medida em que o diploma se socorre de um conceito amplo de “interveniente”, que inclui todos aqueles que beneficiam da publicidade, mas também todos os que participam na conceção e difusão das práticas de publicidade em saúde (cfr. artigo 2.º, alínea a)), permitindo à ERS intervir sobre entes jurídicos (pessoas singulares ou coletivas) que, à partida, não são seus Regulados. Por exemplo, ao nível da conceção das práticas de publicidade, o legislador está a aludir aos publicitários e agências de publicidade; já no que concerne à difusão, está-se a referir aos meios de difusão, sejam estes os meios convencionais ou os meios digitais. Portanto, para efeitos de aplicação do RJPPS, os “intervenientes” podem ser divididos em dois grupos:

  • os entes que beneficiam da conceção e difusão da publicidade, e que tanto podem ser (i) entidades responsáveis por estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, (ii) profissionais de saúde, ou (iii) entidades que não são prestadoras de cuidados de saúde, mas que assumem indevidamente essa qualidade (e, nessa medida, estão a cometer uma infração, por violação do princípio da licitude da informação publicitada);
  • os entes que participam na criação, execução, comunicação e divulgação da publicidade em saúde.

De acordo com o artigo 3.º do RJPPS, as práticas de publicidade em saúde e a informação nestas contida devem reger-se pelos princípios da transparência, fidedignidade e licitude (princípios dirigidos sobretudo à identificação do ente jurídico que beneficia da publicidade); pelo princípio da objetividade; e, ainda, pelo princípio do rigor científico (estes dois últimos princípios mais direcionados para a determinação do conteúdo da mensagem/informação publicitada). Os preditos princípios encontram-se densificados nos artigos 4.º a 7.º do regime em questão.

Quanto aos princípios da transparência, da fidedignidade e da licitude, é importante referir que a informação em saúde deve ser prestada com verdade, de forma clara e contendo todos os elementos necessários para a decisão do utente, de modo a garantir que a liberdade de escolha e o direito de acesso não venham a resultar prejudicados.

O princípio da objetividade impõe que a mensagem ou informação publicitada seja redigida de forma clara e precisa, sem dar azo a interpretações ambíguas ou duvidosas, devendo conter todos os elementos considerados adequados e necessários ao completo esclarecimento do utente, ser de fácil compreensão e procurar esclarecer cabalmente o público-alvo sobre o ato ou serviço de saúde que está a ser divulgado.

Em complemento do princípio da objetividade, o princípio do rigor científico da informação publicitada determina que na mensagem ou informação publicitária apenas sejam utilizadas informações aceites pela comunidade técnica ou científica.

Especificamente no artigo 7.º do RJPPS, são elencadas as práticas publicitárias em saúde que, de uma forma geral, são proibidas, enunciando-se aí a seguinte regra: “[s]ão proibidas as práticas de publicidade em saúde que, por qualquer razão, induzam ou sejam suscetíveis de induzir em erro o utente quanto à decisão a adotar […]” (cfr. corpo do n.º 1). Para além desta regra, o legislador estabelece, ainda no mesmo artigo, alguns elementos integradores da proibição, bem como concede pistas para a deteção de práticas de publicidade proibidas. Todavia, os elementos expressos na norma não são taxativos, podendo a ERS recorrer a outros, quando os primeiros se mostrem insuficientes ou inadequados face à dimensão criativa dos casos concretos submetidos à apreciação da Reguladora.

O Decreto-Lei n.º 238/2015, de 14 de outubro, atribuiu ainda à ERS competências regulamentares (cfr. artigo 10.º) para definir: (i) os elementos de identificação dos intervenientes na publicidade (em concretização do princípio da transparência), assim como (ii) os elementos da mensagem/informação publicitada, considerados adequados e necessários ao completo esclarecimento dos utentes (em concretização do princípio da objetividade). Dando cumprimento a esta competência, o Conselho de Administração da ERS aprovou o Regulamento n.º 1058/2016 (publicado na 2.ª Série do Diário da República n.º 226, de 24 de novembro de 2016)[4]. Este diploma regulamentar entrou em vigor no dia 24 de dezembro de 2016 (cfr. artigo 6.º).

Ademais, o RJPPS conferiu à ERS competências de fiscalização, bem como competências para sancionar os casos de incumprimento (cfr. artigo 8.º, n.º 4). Com efeito, até à aprovação do RJPPS, a Reguladora intervinha em matéria de publicidade, por via do exercício dos respetivos poderes de supervisão, portanto, através de processos administrativos, que culminavam com a emissão de ordens, instruções ou recomendações aos prestadores de cuidados de saúde (cfr. artigo 19.º dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto). No entanto, com a entrada em vigor do RJPPS, a ERS passou a deter poderes sancionatórios para intervir em matéria de publicidade em saúde, inclusive quando o beneficiário da publicidade não é prestador de cuidados de saúde.

A violação de princípios e/ou regras fixadas no RJPPS constitui, assim, contraordenação, punível com sanção pecuniária (cfr. artigo 8.º, n.os 1 e 2). No RJPPS, está ainda prevista a possibilidade da ERS aplicar aos infratores as seguintes sanções acessórias: (i) a apreensão da publicidade; (ii) a interdição temporária de exercício da atividade profissional ou publicitária; ou (iii) a privação de direito ou benefício outorgado por outras entidades reguladoras ou serviços públicos (cfr. artigo 8.º, n.º 3).

O RJPPS não atribuiu, porém, à ERS poderes específicos para certificar e/ou validar previamente qualquer prática de publicidade em saúde, competindo aos intervenientes (quer aos que concebem e difundem a publicidade, quer aos beneficiários desta) cumprirem o regime jurídico aplicável, numa lógica de autorresponsabilização e autorregulação da respetiva atividade.

 

Algumas notas para os utentes

Nas últimas décadas, com a massificação dos meios de comunicação e a evolução tecnológica, a publicidade em geral tem-se intensificado, verificando-se que a publicidade efetuada no setor da saúde não é exceção. Esta publicidade procura, cada vez mais, ser criativa e persuasiva, não se limitando a ser uma publicidade do tipo informativo, o que acarreta maiores desafios para quem é alvo da mesma (o público em geral), que tem de estar alerta para não ser induzido em erro sobre os elementos publicitados.

Neste sentido, para evitar serem enganados, ou até mesmo vítimas de fraude, os utentes devem certificar-se da idoneidade da entidade ou do profissional que está a publicitar a prestação de cuidados de saúde, sendo que, para o efeito, podem, por exemplo, consultar a página de endereço eletrónico da ERS, onde é possível efetuar a pesquisa de estabelecimentos de saúde registados na Reguladora e obter sobre eles diversas informações[5].

A propósito da idoneidade de determinados profissionais para a prestação de cuidados de saúde, podem também ser consultadas as páginas de endereço eletrónico das associações públicas profissionais, que, por regra, contêm um separador que permite pesquisar o registo das pessoas qualificadas para o exercício de uma determinada profissão; ou, caso se trate de uma pesquisa relativa a um Técnico de Saúde (a exercer atividade na área do diagnóstico e terapêutica, da podologia, ou das terapêuticas não convencionais) deverá ser consultado o site da Administração Central do Sistema de Saúde, I.P. (ACSS).

Por outro lado, se existirem dúvidas sobre eventuais convenções celebradas entre determinado prestador e o serviço nacional de saúde (SNS), ou outros subsistemas públicos de saúde, os utentes poderão consultar, mais uma vez, o site da ERS[6]. E, bem assim, o site da respetiva Administração Regional de Saúde, no caso do SNS, ou o site do organismo responsável pela gestão do subsistema público de saúde visado (ADSE, ADM-IASFA, SAD-PSP ou SAD-GNR).

No caso de os utentes terem dúvidas sobre a atividade desenvolvida por determinada entidade e/ou estabelecimento de saúde, ou, porventura, terem conhecimento de práticas de publicidade em saúde de legalidade duvidosa, poderão dirigir-se à ERS e efetuar uma reclamação, presencialmente, por correio, por fax, por email ou através dos formulários disponíveis no site da Reguladora, acessíveis a partir de https://www.ers.pt/pt/utentes/reclamacoes/ podendo também apresentar reclamação diretamente à entidade visada, em livro próprio ou eletronicamente, para que a ERS tome conhecimento do caso e, se se justificar, proceda às diligências necessárias tendo em vista o apuramento da factualidade subjacente.

Para informação adicional em matéria de publicidade em saúde, pode ser consultada a publicação da ERS subordinada ao tema “Direitos e Deveres dos Utentes dos Serviços de Saúde”, concretamente o capítulo referente à “Publicidade em saúde” (página 152 e seguintes), bem como as perguntas frequentes sobre o tema “Publicidade relativa a serviços de saúde”.

 

Bárbara Soares

Técnica Superior de Regulação Especialista - Departamento de Intervenção Administrativa e Sancionatória

 

 

[1] Ao longo dos 30 anos de vigência, o Código Geral da Publicidade foi alvo de algumas alterações legislativas, a última das quais por intermédio da Lei n.º 30/2019, de 23 de abril.

[2] A Recomendação da ERS n.º 1/2014 (recomendação relativa a práticas publicitárias dos prestadores de cuidados de saúde) encontra-se disponível para consulta na página de endereço eletrónico da ERS, em ERS - Recomendação n.º 1/2014 - Recomendação da ERS relativa a práticas publicitárias dos prestadores de cuidados de saúde.

[3] O Decreto-Lei n.º 238/2015, de 14 de outubro, está disponível para consulta, na página de endereço eletrónico da ERS, em ERS - Publicidade em saúde.

[4] O Regulamento da ERS n.º 1058/2016 está disponível para consulta, na página de endereço eletrónico da ERS, em ERS - Publicidade em saúde.

[5] https://www.ers.pt/pt/prestadores/servicos/pesquisa-de-prestadores/.

[6] https://www.ers.pt/pt/atividade/regulacao-economica/selecionar/contratos-de-convencao-ppp-e-concessao/.


Partilhar